segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Era o louco!

Hoje reescrevi aquela história,
que te contei noutra noite,
em palavras no ar e nas nuvens
e nas árvores e em mim.
Tatuava alegremente os símbolos
na carne tenra e pálida,
quando percebi que a pintura...
Ahhh a tua pele é de mármore!
Criei as linhas pelas quais o artista
se expressa em vão,
tentando fazer deste, um mundo melhor.
Mas é impossível transcrever-te
em simples conceitos
definidos por sequências de letras.
Palavras.
Descubro aos poucos,
vastos e intermináveis cantos
do Ser, e percebo
que é impossível transpor-te
em palavras.
Sequências de letras.
Em palavras que os idiotas dos poetas usam
para tentar expressar a dança
imensurável que os queima por dentro.
Dei o teu nome a alguém que não existe.
Ajustei-o!
Só na minha história.
Só para a minha história,
e no poema,
que há-de surgir um momento
e evitar que me queime
até desaparecer.
E eu vi-o a saltar e a
dançar!
Era o louco!

sábado, 27 de setembro de 2014

Índia Mãe

Cais-me do céu como o Verão Indiano
que um dia cantei, só, na árida Terra
Que o vento comeu.
Cantas-me aquela música 
que só a tua voz sabe
e o Espírito dança.
Dança em rejozijo surreal e agridoce,
naquele lago onde, uma tarde,
eu mergulhei sem saber.
Levas-me lá acima e eu trago-te
logo cá para baixo, só para ter o
imensurável prazer de voltar a perder-me,
lá em cima...
Os olhos, a dança de carne e pele,
o sol alaranjado que se põe
e o contraste violeta que me engole.
Como varas secas e mortas
que jazem na cesta da humilde
mulher indiana que a carrega,
e mais nada viu a não ser...
Canto-me na tua melodia
sedosa e doce, de pianos perdidos
e sítaras longínquas,
que cantam por mim.
E aquelas vozes que parecem soar
de longe... lá ao fundo,
e eu afogo-me na doçura
do suor que a mãe Índia me canta.
Pele. Vermelho.
Índia. Vermelha e castanha de pó,
os milénios a passar indefinidamente,
sem tempo.
Verde de folhas carnudas e húmidas.
O pico dos Himalaias, lá em cima.
Gelo.

domingo, 21 de setembro de 2014

Anoushka Shankar - Indian Summer







Há pouco, estava a viajar nas músicas de Anushka Shankar enquanto tentava visualizar uma personagem para o meu novo romance (Ela tem-me acompanhado no processo). Sem perceber bem de onde isto saiu, acabou por surgir um fluxo de palavras que é mais ou menos assim:
A sítara tocava lá ao fundo
numa espécie de relação mística
com o piano que a acompanhava 
e dava corpo e água,
sangue e coração de fogo.
A perdição sem caminho
num emaranhado de fios
cenoura e canela.
O gelo de duas lagoas na Escandinávia
evaporando-se com o Fogo de África.
Paredes vestidas de telas
a cores e escuridão, sombras.
Rubor numa face sedosa,
inocente de desejo
e sardas almiscaradas.
Linhas de carne pálida, e tenra,
e ondulante, e silêncios impossíveis.
Tecido flutuante,
pinturas e músicas de outros mundos,
dentro daquele coração.